quarta-feira, 21 de março de 2012

O que é o Ocidente neste final de século?

O que é o Ocidente neste final de século?
A relação entre países ricos e pobres continua a ser problemática, mesmo nesta época de globalização

RONALDO MOTA SARDENBERG
Há 15 anos procurei responder essa questão, em palestra na Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo, que proferi a convite do professor Tullo Vigevani. O tema merece ser revisitado.
Não mais existe a confrontação Leste-Oeste, e a cena internacional se caracteriza por esquemas de poder imprecisos e por polaridades difusas. É mais difícil falar em negociações entre o Norte e o Sul quando este se fragmenta diante dos diferentes graus de êxito econômico dos países asiáticos, latino-americanos e africanos.
Entretanto, a relação entre países ricos e pobres continua a ser problemática, mesmo nesta época de globalização e regionalização. Com base no espírito religioso e na superioridade técnico-científica, a civilização ocidental tomou o caminho da universalização. No século 19, já se pensava em termos de equivalência plena entre civilização ocidental e universal.
Mais ainda, o Ocidente se equiparava ao próprio conceito de civilização. Desvalorizavam-se os padrões culturais não-ocidentais, que passavam a ser tidos como "locais" ou "periféricos", enquanto as civilizações que lhes correspondiam eram descritas de distintas maneiras, como "arcaicas", "fossilizadas" ou "tradicionais".
A "modernização", como quer o jargão deste século, dependeria da importação de técnicas ocidentais e do mimetismo cultural. Ortega y Gasset, nos anos 20, não hesitou em dar o passo adiante de associar a idéia de modernidade exclusivamente ao Ocidente.
Sempre existia, porém, a possibilidade de as "sociedades primitivas" serem promovidas, por seus próprios méritos, a uma condição semelhante à ocidental. Foram esses, de resto, os caminhos originalmente tomados pela Rússia imperial e pelo Japão.
No correr deste século, o Ocidente sofreu rudes golpes com a revolução socialista, a depressão econômica e a ascensão do nazi-fascismo. A idéia de Ocidente não mais agregava significados novos; o que entra em voga é a noção de declínio, visionariamente advogada por Spengler, entre outros. A esses golpes seguiu-se a 2¦ Guerra.
Já no pós-guerra, o conceito de Ocidente passou por dois tipos de reducionismo: o primeiro deles foi equiparar a idéia de civilização ocidental apenas à de civilização industrial (e esta mesma restrita às sociedades democráticas e representativas). Cria-se uma confusão entre o Ocidente e o que viria a ser chamado de Primeiro Mundo.
Na nova configuração, o Ocidente abandonaria sua vocação universalizante e ficaria restrito aos países da OCDE (Europa Ocidental, EUA, Canadá e até mesmo Japão). Deixaria de ser exemplo para tornar-se exceção. Os caminhos históricos do progresso pareciam bloqueados. Os sucessos da Revolução Iraniana reforçaram a tese de que a modernização entrara ao menos em concordata.
A segunda forma de reducionismo é que a idéia extremamente densa do Ocidente, desenvolvida ao longo dos tempos, passou a ser encarada, apenas ou principalmente, como instrumento da luta ideológica e política entre Leste e Oeste; na verdade, porém, o Ocidente não representa a simples negação do comunismo.
As posições de Fukuyama e, mais recentemente, de Huntington indicam nova fase no debate. Os slogans do "fim da história" e do "conflito de civilizações" correspondem a preocupações bem atuais, embora expressas em termos passadistas. Aos olhos desses teóricos, os presentes modelos políticos vieram, por assim dizer, para ficar. Firma-se no Ocidente a convicção de que a tranquilidade política e o bem-estar concentrado constituem agora a expressão última da civilização e devem ser defendidos a todo custo.
É fundamental participar desse novo debate. É rica a visão brasileira. País latino-americano pertencente ao Ocidente, mas, ao mesmo tempo, com raízes não-ocidentais, o Brasil busca uma sensibilidade política especial, particularmente nas situações que põem em jogo interesses fundamentais, de caráter político, econômico ou estratégico.
O Brasil nunca abdicará de sua herança ocidental, dos compromissos com a democracia representativa, o respeito ao pluralismo e ao direito de divergir.
Não abdica tampouco do direito ao desenvolvimento e ao bem-estar para todos. Deseja ver a comunidade internacional organizada por padrões que respeitem os princípios da Carta das Nações Unidas, que são, no essencial, uma criação ocidental, e que fujam aos padrões de subordinação. O autoritarismo, o racismo, o colonialismo etc., quando aparecem no Ocidente, constituem aberrações que de forma alguma correspondem à lógica ocidental.
É necessário o diálogo. O jogo na globalização não está decidido, fechado. É, porém, uma tendência que não pode ser ignorada, pois se baseia em transformações qualitativas da estrutura produtiva e financeira mundial. O que se passa, principalmente, no Sudeste asiático e na China mostra que a aventura do progresso é ainda possível.
Em nossa região, o Mercosul aponta para o futuro. Ou o Ocidente se aceita como um espaço mais inclusivo ou os processos econômicos e políticos globais deixarão de realizar totalmente suas potencialidades, o que implica conviver com a perspectiva de uma crise permanente.
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Ronaldo Mota Sardenberg, 55, embaixador, é secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Foi representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas (1991-95), embaixador do Brasil na Espanha (1989-90) e na União Soviética (1985-89).
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Fonte: Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz050208.htm. Acesso em 21 mar. 2012.

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